1 ASPECTOS HISTÓRICOS DA FLEXIBILIZAÇÃO
Exsurge, do esposado, que o Direito do Trabalho possui uma dinâmica ímpar porquanto deve responder às problemáticas sociais e às demandas de produção.
Nesse ponto se insere o princípio da Flexibilização das relações trabalhistas, procurando ajustar o Direito ao momento histórico ao qual ele está inserido, “autorizando soluções (exceções) alternativas, que possibilitem o estabelecimento de condições de trabalho supostamente mais bem adaptadas aos interesses de empregados e empregadores” (ALCÂNTARA, 2003, p. 69).
Como ensina Barros (2010, p. 84), o húmus sociológico do Direito do Trabalho é a questão social obreira, ao passo que, tem-se como pressuposto antropológico a condição do proletariado e, por fim, como pressuposto político-econômico o capitalismo em crise. Assim, em suma, tem-se que a seara justrabalhista, desenvolvida em meados da Era Industrial, pretendia proteger a massa de proletariados da atuação do capitalismo liberal desenfreado, conforme leciona Cassar (2011, p. 29):
O Direito do Trabalho reflete todo o pioneirismo do papel ativo do Estado priorizando o bem-estar social dos trabalhadores, intervindo nas relações privadas para pacificação das lutas de classes, tornando um direito, até então privado e individualista, em um direito voltado para o bem-estar social mínimo garantido aos trabalhadores, já que impõe regras básicas para o contrato de trabalho (...)
Destarte, é possível observar que as normas de Direito do Trabalho possuem cunho protetivo, apresentando princípios e regras que visavam harmonizar a relação de emprego, de modo a igualar, judicialmente, as partes que a compõem, como também, de garantir diversos direitos à parte subordinada judicialmente. Em conformidade, declara Plá Rodriguez (2002, p. 83):
Enquanto no direito comum uma constate preocupação parece assegurar a igualdade jurídica entre os contratantes, no Direito do Trabalho a preocupação central parece ser a de proteger uma das partes com o objetivo de, mediante essa proteção, alcançar-se uma igualdade substancial e verdadeira entre as partes.
Portanto, queda patente que o Direito do Trabalho sofre grande influência das demandas econômicas, sociais, assim como, políticas, devendo responder, à tempo, os conflitos apresentados. Dessa forma, é possível afirmar que:
(...) a gênese do Direito do Trabalho, por várias razões e principalmente pelo seu conteúdo normativo, possui, sem dúvida, um sentido político-econômico refletindo de forma clara não só nas leis que dispõem sobre matéria salarial, mas também naquelas disciplinadoras das licenças, dos descansos e das férias, além de outras, pois, nesses períodos, a empresa necessitará de mais empregados para manter os níveis de produção. Lembre-se, entretanto, que, não obstante essa vinculação estreita com a economia, o Direito do Trabalho é motivado, essencialmente, por objetivos de ordem político-social, que visam a corrigir as diferenças, elevando o nível social da classe trabalhadora, como imposição de solidariedade, que nos torna responsáveis pela carência dos demais (BARROS, 2010, p. 88).
Nesse diapasão, faz-se necessário atentar ao fenômeno da Flexibilização, o qual possui os mesmos pressupostos causais que ensejaram a criação do ordenamento trabalhista: questões econômicas e sociais que refletem diretamente na relação empregatícia. Nesse sentido, afirma Alcântara (2003, p. 97):
A flexibilização da legislação trabalhista brasileira é proposta que tem sido apresentada como forma de solucionar problemas de caráter econômico e social, decorrentes da imperativa competitividade, que se erigiu em fator de sobrevivência das empresas, bem como resolver as questões do crescente desemprego e da expansão do mercado de trabalho informal e irregular.
O discurso flexibilizador emerge na sociedade pós-industrial como uma solução às exigências que o modelo trabalhista original não consegue suprir. Isso porque, o “mundo do trabalho está sendo objeto, seguramente, da maior transformação desde o início da primeira Revolução Industrial. A economia mundial atravessa uma fase de reestruturação geral” (BERGMANN, 2003, p.273).
A crise do petróleo datada de 1970 foi um grande marco para o desenvolvimento do ideário flexibilizador, o qual vem se fortalecendo com as grandes mudanças sociais oriundas das descobertas tecnológicas e da globalização. Em conformidade, expõe Barros (2010, p. 85):
Acontece que as relações individuais de trabalho vêm sofrendo várias modificações nos últimos anos, em face da conjugação de fatores como a crise econômica no início de 1970, desencadeada pelo alto preço do petróleo; a inovação tecnológica; as modificações radicais na organização da produção; a necessária competitividade com os países orientais e a necessidade de combater o desemprego, entre outros.
Essas mudanças desencadearam a discussão sobre a flexibilização do emprego, cujos significados variam conforme o sistema legal que se adote e o grau de desenvolvimento dos países.
Outrossim, é consabido que os contratos de emprego não são estabelecidos nos mesmos moldes de outrora, uma vez que muitas empresas passaram a concentrar sua atividade fim subcontratando os demais serviços (Godoy, 2005, p.17).
Desse modo, queda evidente que a atual realidade trabalhista apresenta uma dinâmica que não condiz com a temporariedade das normas. Os ditames constitucionais e legais que, no passado, regiam uma relação pautada, essencialmente em um modelo verticalizado, não atendem mais todas as variáveis do mundo contemporâneo, conforme aponta Godoy (2005, p. 26):
(...) devemos reconhecer que os conceitos e os procedimentos aplicáveis ao mundo do trabalho estão sendo chamados a se curvarem, por um lado, à afirmação universal dos direitos humanos, e, por outro, às novas tecnologias – com destaque para as da informação e da comunicação, da microeletrônica, da automação e da teleinformática – e à globalização dos mercados. No plano econômico, onde a competição é a regra fundamental e a excelência a moeda de troca, as empresas são compelidas a uma rápida adaptação, forçadas pelas leis do mercado a fazê-la, sob pena de desaparecerem. E, na esfera pessoal, os profissionais defrontam-se com a exigência – angustiante, para a maioria – de uma rápida reconvenção de suas aptidões, sob o risco da perda da empregabilidade e do seu ganho de vida.
As mudanças atinentes às relações trabalhistas são aspectos que enriquecem o discurso flexibilizador, haja vista que o Direito deve encontrar algum modo de se adequar a essas novas situações características da época contemporânea, sendo necessário:
(...) haver ponderação entre a flexibilização das relações de trabalho e a realização dos valores sociais preservadores da dignidade do ser humano que trabalha, através da aplicação da teoria pós-positivista dos princípios constitucionais, priorizando o homem, o trabalhador e sua dignidade, sempre à luza das necessidades brasileiras (CASSAR, 2011, p.39).
2 Formas de Flexibilização
Trata-se a flexibilização de um fenômeno que busca coadunar o Direito com o dinamismo social e com as novas exigências econômicas, possuindo variadas espécies as quais nos convém expor.
Como proposta de classificação do fenômeno flexibilizatório será utilizada por base a obra de Oscar Ermida Uriarte (2002).
Primeiramente, cumpre diferencia a Flexibilização segundo sua finalidade. Dessa forma, é possível falar em flexibilidade de proteção, adaptação e desregulamentação (URIARTE, 2002, p.10).
A hipótese protetiva advém da própria essência do Direito do Trabalho, qual seja compensar a disparidade entre as partes que compõem a relação empregatícia, protegendo o operário hipossuficiente. É o princípio da proteção o núcleo basilar do regime, vez que:
Informa este princípio que o Direito do Trabalho estrutura em seu interior, com suas regras, institutos, princípios e presunções próprias, uma teia de proteção à parte hipossuficiente na relação empregatícia – o obreiro -, visando retificar (atenuar), no plano jurídico, o desequilíbrio inerente ao plano fático do contrato de trabalho (DELGADO, 2012, p. 193).
Logo, a presente modalidade de flexibilização intenta preservar os direitos mínimos do empregado, permitindo flexibilizá-los apenas quando em seu favor. Como ensina Uriarte (2002, p.10): “(...) o Direito do Trabalho foi sempre flexível, só que num sentido único. A norma trabalhista tradicional foi sempre superável e adaptável em benefício do trabalhador”.
No que concerne à flexibilidade de adaptação, esta pressupõe o ajuste das normas trabalhistas às demandas sociais por meio da autonomia coletiva. Vale ressaltar que “este tipo de flexibilização não visa, tão somente, derrogar os benefícios trabalhistas previstos em lei ou na Carta Maior. Pretende mais: fazer adaptações por intermédio da autonomia coletiva” (CASSAR, 2010, p. 54).
A flexibilidade de desregulamentação, por sua vez, refere-se a modificações na relação empregatícia que podem levar tanto à anulação de uma circunstância benéfica ao trabalhador, como à substituição desta por uma menos proveitosa (URIARTE, 2002, p.10).
É possível, ainda, classificar o fenômeno em razão da fonte do direito flexibilizador pela qual se tem a flexibilidade autônoma ou heterônoma (URIARTE, 2002, p. 10).
A flexibilidade autônoma advém da autonomia coletiva, se configurando, principalmente, por meio de acordos e convenções. A negociação coletiva vem obtendo grande destaque, sendo considerada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT):
(...) como um dos principais meios de flexibilização do mercado de trabalho. Esta se perfaz por convenções ou convênios coletivos, em sua ampla gama, que abrange desde um acordo negociado particularmente entre um único sindicato e uma só empresa, até um pacto nacional decorrente de condutas tripartes (empregados, empregadores e governo) ou mesmo “tripartite plus”, caso este em que intervêm representantes da sociedade civil (como de consumidores, ambientalistas, donas de casa, etc.) (GODOY, 2005, p. 89).
Quanto à modalidade heterônoma, esta decorre de um ato unilateral do Estado que por meio de lei ou decreto, derroga direitos trabalhistas ou impõe uma circunstância menos benéfica ao empregado. Dessa forma, grande parte da doutrina qualifica esta flexibilidade como “desregulamentação” ou até mesmo como flexibilização ou desregulamentação “selvagem” (URIARTE, 2002, p. 11).
Não obstante, há a flexibilidade condicionada ou incondicionada. Fala-se em incondicionada quando os próprios empregados dispõem de seus direitos sem a intenção de obter qualquer garantia de contraprestação. Esclarece Cassar (2010, p. 55) que:
A flexibilização incondicionada é aquela em que os direitos dos trabalhadores são retirados ou abdicados sem que haja qualquer tipo de compensação. Os trabalhadores dispõem de seus direitos na esperança de resistirem no emprego. Este é o modelo adotado pelo Brasil. Normas são revogadas ou modificadas, e direitos suprimidos, sem que nenhuma garantia seja dada aos trabalhadores.
Por outro lado, a flexibilização condicionada pressupõe a exigibilidade de contraprestação. Logo, é possível que trabalhador decline qualquer de seus direitos em favor de uma condição mais benéfica, além disso, “(...) o não-cumprimento dessas obrigações faz “renascer” o direito trabalhista renunciado ou cedido” (URIARTE, 2002, p. 12).
Outrossim, é possível fazer uma distinção em virtude da matéria ou do instituto trabalhista a ser flexibilizado, pelo que se tem a flexibilidade interna ou externa. Aquela refere-se a um vínculo empregatício existente, de modo a permitir que “(...) as cláusulas previamente ajustadas na contratação possam sofrer alterações na constância do contrato de trabalho, mesmo que cause prejuízo ao empregado” (CASSAR, 2010, p. 55).
Já a flexibilidade externa faz menção ao momento da contratação - flexibilidade de entrada - ou ao momento da dissolução da relação trabalhista - flexibilidade de saída. Em consonância, explica Uriarte (2002, p. 13):
Fala-se assim de uma flexibilidade de entrada, quando se flexibiliza o ingresso na relação de trabalho, liberando o empregador de certos limites na liberdade de contratar ou facilitando as contratações atípicas, transitórias, temporárias, precárias, menos protegidas ou diretamente desprotegidas. E se alude a uma flexibilidade de saída, quando se facilita a dispensa, ou se ampliando as causas justas, diminuindo o valor da indenização ou as hipóteses de readmissão, etc.
Por fim, fala-se em flexibilização jurídica e flexibilização real, ou de fábrica, ou produtiva. Na flexibilidade real, se vislumbra uma produção dinâmica, imediata, que não pretende manter estoques, assim, há uma adaptação da organização produtiva original, de modo a que:
(...) abandona-se o antigo modelo “fordista” de produção, dando lugar ao modelo just in time, segundo o qual não se armazenam produtos em estoque, a produção é dinâmica, feita na medida da encomenda. Como consequência, utiliza-se uma mão de obra flexível uma vez que se atende a uma demanda incerta (CASSAR, 2010, p. 55)
No que tange a flexibilidade jurídica, trata-se de um apoio normativo à flexibilidade real, que apoia e facilita a implantação do modelo produtivo “não fordista” (URIARTE, 2002, p. 15).
Nesse aspecto, ressalta-se que o regime proposto contaria com alguns trabalhadores altamente capacitados, responsáveis por coordenar os demais operários instáveis ou terceirizado. Dessa forma, empregados especializados estariam submetidos ao protecionismo do Direito do Trabalho original, não se impondo, em regra, a flexibilização real (CASSAR, 2010, p. 56).
3 Flexibilização e a Desregulamentação Não corroboram do mesmo significado os conceitos de Flexibilização e de Desregulamentação (CASSAR, 2011, p. 44), embora há quem afirme que por trás da campanha flexibilizadora se esconda uma proposta de desregulamentação (PLÁ RODRIGUEZ, 2002, p. 79).
Conforme será analisado, o constituinte de 1988 deu grande enfoque ao Direito do Trabalho, concedendo-lhe, inclusive, caráter de direito social. Dessa forma, é possível afirmar que foi imputado ao Estado o dever de prezar pela aplicação dos direitos e garantias justrabalhistas, a fim de proporcionar melhor condição de “(...) vida humana, evitando tiranias, arbítrios, injustiças e abusos de poder” (BULOS, 2009, p. 673).
Contudo, diante do cenário mundial globalizado, marcado por uma forte competitividade de mercado, discute-se o alcance da tutela Estatal nas relações de emprego. É nesse ponto que se insere a distinção entre os institutos em análise.
Na desregulamentação os contratos de emprego são estipulados de acordo com o interesse do mercado sem qualquer interferência do Estado. Trata-se de uma proposta neoliberal, na qual haveria maior enfoque às normas autocompositivas, como ensina Cassar (2011, p. 29):
Alguns pretendem a total desregulamentação, isto é, a ausência total, a abstinência estatal nas relações de trabalho, deixando o contrato de trabalho livre e à mercê das regras do mercado, sob o argumento de que o modelo que inspirou o welfare não existe mais, que os trabalhadores atuais são mais conscientes, mais maduros e menos explorados.
Nesse sentido, afirma Süssekind (2004, p. 49) que o modelo neoliberal busca restaurar o ditame individualista da Revolução Francesa, marcado pela liberdade contratual e pela aparente igualdade entre as partes da relação empregatícia, não havendo qualquer observância da ética nas relações humanas.
Ademais, este paradigma neoliberal pode levar à total depreciação das normas trabalhistas, quedando o trabalhador à mercê das exigências da empresa, sem qualquer proteção ou garantia no emprego. Logo, afirma Jorge Neto e Cavalcante (2005, p. 36) que com a desregulamentação há o aviltamento dos “(...) salários, gerando o descumprimento das normas mínimas de proteção aos trabalhadores, em suma: colocando em xeque a própria essência do Direito do Trabalho como direito social”.
O fenômeno da flexibilização, por sua vez, se desenvolve em consonância com o modelo social, defendendo uma atuação positiva do Estado na tutela das relações de emprego. Este discurso traduz uma forma de adequação da legislação trabalhista às significativas mudanças no mercado de trabalho, não se desvirtuando, porém, dos limites impostos pelos princípios e garantias justrabalhistas (BARROS, 2010, p. 88).
Portanto, certo é que na flexibilidade há uma mitigação das normas trabalhistas sem olvidar-se dos princípios e das garantias conquistadas ao longo dos anos. Nesse sentido, dispõe Plá Rodriguez (2002, p. 80) que pelo próprio húmus do Direito do Trabalho é possível falar em flexibilização das relações de emprego:
Os princípios, próprios do Direito do Trabalho por sua própria natureza e pela índole de sua função, têm uma capacidade de adaptação e de ajuste a diferentes realidades que lhes tiram a rigidez. Ao contrário, são particularmente aptos para conduzir e acompanhar as legítimas tentativas de flexibilização.
Nesses moldes, o sobredito é esclarecido nas palavras de Cassar (2011, p. 44) que diferencia os presentes institutos da seguinte maneira:
A desregulamentação pressupõe a ausência do Estado (Estado mínimo), revogação de direitos impostos pela lei, retirada total da proteção legislativa, permitindo a livre manifestação de vontade, a autonomia privada para regular a relação de trabalho, seja de forma individual ou coletiva. A flexibilização pressupor intervenção estatal, mais ou menos intensa, para proteção dos direitos do trabalhador, mesmo que apenas para garantia de direitos básicos. Na flexibilização um núcleo de normas de ordem pública permanece intangíveis, pois sem estas não se pode conceber a vida do trabalhador com dignidade, sendo fundamental a manutenção do Estado Social.
Como se infere, a desregulamentação pressupõe uma redução do intervencionismo Estatal, propondo que empregado e empregador tenham liberdade de dispor sobre as normas que irão compor sua relação. Todavia, como bem aponta Jorge Neto e Cavalcante (2005, p. 35) “a simples reversão de uma ideologia intervencionista para uma liberal não irá assegurar ao universo dos trabalhadores brasileiros a solução dos seus problemas históricos”.
Outrossim, insta ressaltar que países em desenvolvimento, como o Brasil, não vêm na desregulamentação um modelo eficaz para resolver seus problemas socioeconômicos. Isso pois, tais países ainda possuem condições de trabalho antagônicas ao que idealiza o Estado de bem-estar social, de modo que, é inviável o “(...) afastamento do Estado destas relações privadas, não se pode pretender a privatização dos direitos trabalhistas, o retrocesso de um grande avanço conquistado com profundo sacrifício” (CASSAR, 2011, p. 29).
[01/08/2018]
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